sexta-feira, 6 de março de 2009

Capítulo 4 – Desencontros e Encontros

Alex arrumou a gola da camisa, assumiu aquela expressão de canalha conquistadora que ela fazia como ninguém, e saiu andando em direção da linda moça que a observava, mas esta, ao notar a aproximação de Alex, assustou-se e saiu quase correndo pelo meio da multidão. Alex parou por alguns segundos como se houvesse acabado de levar um tapa, demorou um pouco pra crer que a garota tinha realmente fugido dela, mas quando compreendeu finalmente isso, acelerou o passo e tentou segui-la. Impossível. Haviam pessoas espalhadas por todo lado, e todas elas pareciam terminantemente decididas a colocarem-se em seu caminho.
Mais ou menos vinte minutos depois, Alex ainda vagava perdida no meio da multidão, na esperança de encontrar aqueles cabelos ondulados, castanhos e brilhantes em algum lugar, mas depois de tanto tempo, finalmente se deu conta de que estava sendo ridícula em ficar andando sem rumo e esbarrando em todo mundo, e deu um jeito de sair dali. Alex ganhou a calçada finalmente, respirou aliviada pela primeira vez naquele dia inteiro que fôra tão corrido, e passou a mão pelos cabelos, agora suados e grudando na nuca. Ela estava parada, encostada em seu próprio carro, quando seu celular tocou.
-arf....alô? –Alex atendeu com a grosseria habitual.
-Oi, Alex?
-Ela...
-Oi Alex...aqui é o Caíque, lembra de mim? Amigo do Fabiano...
-Hã, sei, que tu quer?
-Cara...tá rolando uma festa no apê do meu amigo aqui em Copacabana...rola tu trazeres uns dez gramas pra mim aqui?
-...não sei...tô cansada velho...
-Cara, te pago até a mais, é que ta todo mundo fissurado aqui, tentei te ligar mais cedo..
-ta, ta, ta...mas vai te custar quatrocentos só pela sacanagem de me fazer dirigir até aí em pleno carnaval, ta ligado?
-De boa, de boa...tu chega em quanto tempo?
-Vou ter que ir buscar que ainda não tenho aqui comigo e daqui com uma hora eu apareço.
-Ta beleza.
Alex desfrutou de mais alguns segundos de paz, e em seguida entrou no carro. Teria que fazer mais uma viagem até a favela onde acabara de assassinar alguém.

**

Dado viu a quase irmã seguir a moça, e sorriu. “Ela não tem jeito”.
As pessoas da escola iam se dispersando, ocupando seus locais para assistir os outros desfiles, ou aglomerando-se em pequenos grupos de comemoração antecipada. Dado sentiu uma mão tocar seu ombro nu e virou-se, ficando de frente para Jaqueline, uma das organizadoras do desfile, e também uma de suas clientes.
-Oi Dadinho...você esteve tão lindo hoje!
-Obrigado dona Jaqueline.-Dado sorriu cafajeste.
-Não tem o que agradecer, e eu já disse um milhão de vezes querido, pra você, só Jaqueline...
-Ora ora...então tudo bem...Jaqueline.-Dado já dizia isso quase no ouvido da mulher de já mais de quarenta anos, mas ainda muito charmosa.
-O que vai fazer agora Dadinho querido? –Jaqueline já estava visivelmente excitada e ansiosa por mais um encontro a sós com o jovem sedutor.
-estava pensando em ir ao barracão ...com o resto do pessoal...mas se tiver outros planos...podemos conversar...
-Não se preocupe meu lindo, vamos ao barracão e de lá tomamos outros rumos...também preciso ir até lá...
Enquanto Dado conversava com Jaqueline distraidamente, não percebeu a aproximação desagradável que estava por vir.
-Como a senhora...digo, como tu quiser Jaqueline...
-assim que eu gosto garotão...
-Ora ora Duduzinho...quanto tempo! –a voz desta vez era grossa e bêbada, e vinha não mais da frente de Dado, e sim das costas, e o rapaz levou um susto tamanho, que largou no mesmo instante a cintura de Jaqueline e virou-se de súbito.
-Ca-Carlos? O que faz aqui? –Dado encarou aquele rosto que ainda o apavorava, já desgastado pelo tempo, mais enrugado, com a barba por fazer, mais sujo, porém com o mesmo cheiro de álcool e suor que ele tão bem se lembrava, aquele homem que lhe fazia esquecer que era o Dado, e o belo e sedutor homem no qual se tornara, e o fazia sentir-se apenas o Dudu, o garotinho magro, machucado e indefeso, que um dia fugiu daquele homem levando apenas um par de sapatos velhos e um canivete enferrujado. Naquele momento, Dado era aquele garotinho novamente.
-Ora Dudu...não posso vir ver como está meu filhinho?
Dado explodiu, de repente toda a alegria do carnaval tornou-se um misto de enorme fúria, medo e agressividade, e Dado agarrou aquele braço cabeludo e gordo com sua mão mais forte, e saiu puxando o homem pelo braço para longe dali, longe do barulho e das pessoas, e foi só quando ganharam um espaço deserto, que Dado se pronunciou novamente, mas desta vez aos berros.
-O QUE TU QUERES AQUI SEU PERVERTIDO NOJENTO? FALA! FALA PORQUE ME VER QUE NÃO É...-Dado ria desfiguradamente, numa ironia que expressava todo o seu ódio –NÃO...TU NUNCA APARECE PRA ME VER SEU FILHO DA PUTA...MAS HOJE É CARNAVAL TA VENDO ALI? HOJE É O DIA MAIS FELIZ DO ANO...E TU VENS AQUI TENTAR ROUBAR ESSE MOMENTO DE MIM? ROUBAR A ÚNICA ALEGRIA QUE ME RESTA? JÁ NÃO ROUBOU O SUFICIENTE DE MIM?
-Dudu...pra que tanto ódio do seu velho pai que só está precisando de um trocado emprestado...pra que toda essa gritaria rapaz?
-NÃO ME VEM COM ESSAS CHURUMELAS CARLOS E NÃO OUSA SE REFERIR A SI MESMO COMO MEU PAI NOVAMENTE? QUER DINHEIRO PRA TUA CACHAÇA E AS TUAS PUTAS? VAI TRABALHAR SEU VAGABUNDO! NÃO CONTA COMIGO PRA ISSO TA LIGADO?
-me respeita rapaz que eu sou teu pai! –agora o tom era definitivamente agressivo.-Passa logo essa grana pra cá e para com essa gracinha de querer me desafiar! Olha só quem ta me mandando trabalhar! TU NÃO PASSAS DE UM PUTO, SEU MOLEQUE, UM MICHÊ BARATO SUSTENTADO POR UMA SAPATÃO NOJENTA E UM MONTE DE VELHA MAL COMIDA!

Dado não conseguiu mais raciocinar, de repente tudo voltara a sua mente, a fuga de casa, a chegada no abrigo, ele doente e Alex cuidando dele, ele com fome e Alex roubando comida para ele, ele sem ter onde morar após a maior idade e Alex lhe levando pro na época pequeno apartamento que alugara pra si própria na favela, ele precisando, Alex sempre pronta pra ajudar...aquele homem podia falar de quem quisesse ali, mas nunca mais ousaria falar assim de sua irmã, nunca mais.
O homem cheirando a álcool sentiu um punho quente lhe acertar o rosto, depois outro e mais outro, Dado socava o próprio pai sem piedade, e o fazia cegamente, até deixa-lo no chão e cuspir nele.
-eu não tenho mais medo de ti Carlos, eu já sou homem, tenho vinte e quatro anos, e não sete, se é que tu sabes contar.
Dado deu as costas a ele, e voltou para a folia.

***

Alex pegou a mercadoria na favela, entrou em seu carro, e já estava girando a chave pra sair dali, quando ouviu um barulho por ela muito conhecido muito próximo de sua orelha esquerda. “clic”. Uma arma acabara de ser engatilhada, e ela sentiu em seguida o metal frio encostar em seu rosto.
-Pode ir parando aí vadia. Já ta todo mundo sabendo que foi tu que matou o Chulé...
Alex reconheceu a voz e nem ousou virar o rosto para encarar o dono dela.
- Ok neguinho, eu matei mesmo teu irmão, e dái? O cara tava me devendo e tu sabe como a parada funciona, mas se tu me matar agora, ta morto amanhã, então abaixa essa buceta que eu tenho serviço.
-ABAIXA O CARALHO! TU VAI MORRER SUA PUTA! TU VAI MORRER É AGORA!
E no mesmo momento, Alex ouviu uma segunda voz juntar-se a primeira, ela também a conhecia, e sabia pertencer a Canarinho, que costumava ser seu parceiro de pequenos furtos na adolescência.
-Tu ta ficando doido manézão? Tá tirando a Alexandrinha? Filha do finado Argentino? Tu ta ficando doido? –e Alex ouviu um segundo gatinho- tira essa porra da cabeça dela antes que eu estoure teus miolos seu ladrãozinho de merda...tu ta sabendo que teu irmão vacilou com a gata, ela cobrou e ta é certa, ninguém mais agüentava aquele puto...agora circulando e trata de tirar isso da cabeça dela que é minha considerada que ta nesse carro.
Alex sentiu o metal abandonando seu rosto, e então virou-se para olhar nos olhos quem lhe ameaçava.
-Tu escapou por pouco vadia...-Alex viu aqueles olhos negros brilharem de raiva, mas não se intimidou.
-Tenta a sorte neguinho...que o que é teu ta guardado...valeu Canarinho! Fico te devendo essa.
-Vai na paz gostosa, deixa que com esse aqui eu me entendo!
Alex acelerou e não olhou pra trás.
Após ter feito a difícil entrega no apartamento dos playboys e de ter cheirado umas carreiras com eles, anotado os telefones de algumas patricinhas que se interessaram nela e tomado algumas doses de wiske importado, Alex retornou ao barracão, com a intenção de encontrar Dado. O rapaz lhe recebeu com entusiasmo, e pareceu ter esquecido que ela saíra dali inicialmente com a intenção de ganhar uma garota. Muitas cervejas, muito pó e muito samba entraram pela manhã de terça feira, as pessoas em vez de exaustas, ainda estavam ali com todo o gás. Alex já sentia-se absurdamente bêbada, quando a viu novamente.
Seria efeito do álcool, ou ela era ainda mais bonita sob a luz do dia? Seria uma miragem, ou aquela mulher linda, com aqueles belíssimos olhos azuis e cabelos só vistos em comerciais de shampoo estava ali novamente encarando Alex, mas desta vez sorrindo? Desta vez, Alex nem teve chance de levantar-se e ir até ela, a moça linda de horas mais cedo agora vinha em sua direção, como se flutuasse no lugar de andar, e parou em sua frente, fixando seus olhos azuis cintilantes nos negros e profundos olhos de Alex.
-Tá, ta bom...eu cheirei demais, tive uma overdose, morri, tu és o anjo e o céu é carnaval...-Alex mesmo bêbada, conseguia cantar a garota, que apenas sorriu, colocou a mão em seus cabelos em desordem, e a fez sentar, sentando-se ao seu lado em seguida.
-Você bebeu demais querida...compreensível, porque é carnaval...mas não sou anjo, e você, felizmente, não está morta...mortos não fazem certas coisas que eu gostaria que você fizesse.-a moça devolveu o sorriso sacana que Alex lhe oferecia.
“não acredito...eu só posso estar porre demais e imaginando coisa...é impressão minha ou essa puta gata ta me dando o mó mole a essa hora da manhã e eu to doidona e vacilando? Não, não viaja, não vi-a-ja...eu vou ficar boa e vou comer ela...ta doido? Eu sou a Alex, não sou qualquer uma...”
-opa...gostei muito desse tom gatinha...
-quer sair daqui? Ou ainda ta afim de tomar mais uma dose?
-“mais uma dose, claro que eu to afim...” sempre...mas desta vez, é mais uma dose de outra coisa.
Alex levantou-se, deu a mão para ajudar a moça a se levantar, a moça passou a mão em sua cintura, Alex a abraçou, e elas saíram do barracão, em rumo ao carro de Alex.
Dado dançava com uma bela morena, quando escutou de relance um dos principais patrocinadores da escola comentar com alguém:
-Quem é aquele rapaz ali de costas saindo abraçado com a minha filha?
Dado por curiosidade olhou pra porta, e viu Alex saindo abraçada com uma garota linda.
-Puta que pariu...isso vai dar merda.